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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

X, as bebidas e o rock´n´roll

X anda preocupado. Não sabe ainda porque brigou na sexta-feira passada. Ainda assim, como acredita em si, espera que não tenha sido por nada. Alguma coisa aconteceu, mas o quê? Tentativa de reconstituição da cena da discussão. X bêbado num bar de uma cidade do interior. Encontros com muitos conhecidos de infância, outros não tão da infância e com desconhecidos. Entre os últimos, os seguranças do estabelecimento que o ameaçaram. Por que? O que foi dito? A bebida não deixa lembrar as coisas da cabeça e isso preocupa muito. Depois, nos dias seguintes, uma investigação sobre os seguranças, porque X estava realmente acreditando que tinha cometido um erro chato, porque isso era possível e como veremos, mesmo sabendo que os seguranças guardam um histórico de desavenças com violência gratuita, continua possível. O fato do outro lado brigante estar em outros contos de guerra, não modifica a dúvida, no máximo, explica a facilidade da disposição beligerante. 
E para X isso não deixa passar nada além, os acontecimentos aconteceram através de uma leve percepção de noite, chuvisqueiro, cervejada, rock´n´roll, amigos, conhecidos e seguranças prontos para partir para o ataque, aliás, não só prontos como ameaçadores. X ficou confuso porque também está para o ataque nos dias que os pensamentos fervem e ficam esquentando, perdidos, sem controle... aqueles dias que a consciência desliga do corpo e as palavras escorrem pela boca através de outra vontade, as palavras fazem o caminho da verdade e verdade, agride. Muitas vezes a verdade agride porque não é sutil e também porque fica muito tempo sendo pensada e dita através de meias palavras. A verdade quando sai na raiva da bebida fica uma verdade de vômito. E ninguém gosta de - porque fede, é nojento, ultrajante - tomar vômito de outros na cara! 
X é um homem tranquilo e respeitador. Procura banheiro púlbico para mijar quando a vontade vem na rua. Contudo X tem desvio na cabeça. Desvia para não permanecer no respeito paralizante, acrítico. X desvia porque quer outros caminhos e o desvio não é sempre positivo. Porque às vezes X pega desvio pesado demais e acaba perdendo a cabeça por aí. Deixando o próprio corpo mórbido e intoxicado por um dia inteiro. Um corpo que não pode se deixar tocar, porque está frágil e perceptivo demais. Um corpo que quase achou os pensamentos e que ainda está com o sentidos intensos de bebida. Confusão. Muitos sentidos e a pouca vontade de ir fundo para transformá-los em relações coerentes. É mais ou menos quando as relações acontecem violentamente, conectando alhos com bugalhos.
X cansou e não se arrependeu. Não matou ninguém, não apanhou e se deixou más impressões: assim ele é, assim também deixa que o vejam (mesmo que algumas situações sejam humilhantes). A grande questão é mesmo da quantidade: não ultrapassar o último (copo, gole, fio de discernimento).
Então foi e pegou o desvio errado. Acontece.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Tempos de deserto

Se há tempos de deserto, isso descubro no aperto da mente. Desertos não são apenas paisagens amplas, com horizontes sem obstáculos, lugares onde o obstáculo é a solidão. Desertos são espaços de muita gente e de pensamento inquieto. Quando se quer coisas, mas não se tem a segurança para realizá-las. Se faz cada dia para desviar do fazer. E quando se faz, o feito não agrada. Uma sensação de incompetência, fora da autocomiseração porque crítica em referência ao que se lê, se ouve, se vê. Descobrir que a vontade não basta para estar dentro da vontade. Há alguma coisa da ação que implica a vontade para além da ideia. E o trabalho que isso exige produz uma angústia de fabricar além do banal. E se o banal apavora, como ele é? Ele pode estar no dizer o que é evidente, repetir sem estilo ou sensação uma teoria já dita, analisada, repetida sem entonação. Banal também pode ser um realizar por obrigação. Mesmo que a expectativa seja uma produção de um pensamento que some não que iguale o dito. Banal pode ser estar dentro sem ver um fora e enlouquecer procurando por uma saída que não se faz encontro. E se busca um entendimento “outro” que está igual do princípio ao fim. Dói querer expressar o que não se tem. Para expressar é preciso vida e ideia.  Se a vida se faz de visões de pensamentos mais inspiradores. Se a ideia não ultrapassa essa inspiração dos livros, das pessoas, da mundo é porque se está ou cego ou surdo ou? Será possível que a potência se transforme em incapacidade de pensamento? Uma paralização. Mas não inerte porque espetada pela angústia de produzir. E os acontecimentos que não se fazem contentamentos exigem a pergunta sobre o caminho que se escolheu. Será que seria mais satisfeito fazendo outra coisa? A resposta é que a satisfação faz parte dessa luta de pensar algo que avance na própria potência de pensar. Desorganização suficiente já experimento nesse deserto de ordem. E vontade de deixar a mente livre é uma desafio para o trabalho de pensamento normatizado pela dinâmica da referência. Porque ser livre no mundo do conhecimento é possível num diário ou no trabalho árduo de organização de todas essas falas publicadas e conferenciadas. E quando escrever se torna uma situação de pressão pela escrita que fale, o que era um prazer com pequenas ambições de externalidade, de aceitação, se comunica como um desafio de persistência. Começar é sempre o verbo das dificuldades. Às vezes, das mentiras. Começar exige que já tenhamos começado. E no tempo de deserto é preciso anotar as coordenadas, traçar riscos, curvas, tentar caminhar fora do mesmo. Deixar o pensamento acontecer sem preocupação de coerência para que ele encontre sua forma, seu como relacionar. Sufocar com a biblioteca mundial não é privilégio de poucos. Essa grande produção de entendimentos sempre exige que entendamos antes todos os outros, todos os mesmos, diferenciando-os, classificando-os, fazendo-os claros. E mesmo lendo e lendo, ouvindo e ouvindo, vendo e vendo, tocando e tocando, aspirando e aspirando, não lembro de todos e fabrico mil fantasmas e me cobro mil lugares de fala. Tudo isso é uma fuga da incompetência? Porque se alguém foi capaz de virar um pedaço de picanha é porque isso pode ser feito. Mas virar uma picanha é virar uma picanha. E dizer coisas é mais do que ser capaz de articular sons. E por se ter tido a ambição de poder dizer além dos sons, agora se sofre por dizer tudo que já foi dito. E estar tão nublado que até mesmo o não dito se faz sinistro. Desejante de um pensamento que não seja esse que me atola em todos os momentos do dia. Desejante de me liberar dessas pressões tais oásis imaginários incrustados em campos de areia.Querer beber muita água e ficar descansando dentro da sombra de uma árvore.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Quem já não leu assim?


Sim, eu caminhei até o bar mais próximo. Sentei no balcão e pedi uma cerveja gelada. Cerveja gelada, por que não dá para querer beber como alemão ou inglês com a cerveja fabricada no Brasil, não, não dá!
Uma cerveja gelada para a senhorita! Grita o garçom com aquela cara dizendo atrás: mulheres bebendo sozinhas, deprimente. Como se eu não conseguisse ler através das fisionamias. Como se beber sozinho fosse sinal inegável de desilução ou desespero.
Desespero é ficar preso a um pensamento de comportamentos. Não quero saber de comportamentos pré-estabelecidos, quero mesmo saber é de vivências.
Estava lá, copo na mão, livro de fotografias na outra mão, coisas demais na cabeça para ficar esperando conversa: naquele dia.
Esperar conversa é esperar problema – bons ou difícieis, importa só na medida de entender o problema. E poderia ser que:
Sempre pode ser que: no Bar. Mas pode ser quando há tempo para ser.
Um copo de água, por exemplo: ei! Garçom, um copinho de água, pode ser da torneira. Não dá tempo de fazer encontro. Claro, a menos que dois narizes se juntem numa trombada de descoberta e contentamento. Na dinâmica do acontecimento pode até com copo d´água, pensando melhor.
Mas nada de trombadas naquele balcão, naquele final de tarde, naquele dia da semana, naquele mês... naquele planeta. Isso sim! Planetinha perdido! Tanta arrogância e estar confuso, preso pelas pernas a tanta coisa, todo dia.
Outra semana, caminhei até o mesmo bar. Segunda vez. E o garçom me disse por trás das palavras mais uma vez que não era certo. Que certo? Que?...
E da terceira vez, quando ele me serviu a terceira cerveja, falou sem falar, com aquele tipo de respiração pesada de desaprovação, que eu fosse à merda mesmo! Dei de ombros: na merda todos estamos mesmo com a terceira garrafa de cerveja no corpo.
Mais uma? O garçom perguntou arregalando os olhos.
Por que? Acabou a cerveja?
A senhora tem certeza?
Do que?
Que vai tomar a quarta cerveja?
Tu tens problemas com números, sequencias?
Hã?
1 – 2- 3 – 4, sequência?
Não, não!
Pois eu também não tenho quando se trata de cervejas, então, por favor!
Ele saiu e não disse palavra. Se eu fosse ele, pensaria que eu era qualquer coisa. O que ele pensou mesmo, talvez nem ele saiba muito bem!
Um pouco de confusão para uma quarta cerveja.
Bebi. Paguei e voltei um mês depois para comemorar com um amigo. Amigo de infância ainda por cima!
Uma cerveja bem gelada, pedi. Meu amigo contando uma particularidade do fato que estávamos comemorando, trabalhamos juntos. O garçom, o mesmo garçom dentre todos os que serviam naquele lugar, pareceu contente pela primeira vez desde a primeira cerveja que pedi, aquela do balcão e do livro de fotografias.
Fiquei pensando... que vontade de saber exatamente o que passava naquela mente... que vontade... não me aguentei:
Ele arrumou a garrafa na mesa, os copos, serviu-nos. Olhou para meu amigo, para mim e deu um sorriso. Agora ou nunca, minhas entranhas reclamaram:
E ficaram reclamando até a quarta cerveja... fiquei esperando a pergunta: a senhora tem certeza? Nada.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O que pode ser que não é... ainda!

Que bela pespectiva imagino ser a das plantas depois da chuva quando aparece o sol. Devem se comunicar de uma maneira toda energética. Esse papo está meio zen, meio coisa de espiritualidades holísticas. Eu nem sei muito sobre essas teorias todas, mas energia acontece e isso já foi comprovado inclusive em laboratório. Ainda não fizeram comprovar em laboratório a comunicação das coisas que não são elementos puros, as coisas compostas são mais difíceis de reproduzir in vitro ou mesmo in natura. Elas se esquivam porque é difícil classificar as multiplicidades. Capturas pegam coisas-pessoas na unidade, na identidade. Melhor mesmo é buscar os arranjos e tentar fazer uma fala sobre isso até o infinito da vida, pois é impossível concluir um pensamento que não tem objeto fixo. Isso dificulta o trabalho científico e faz da vida um emaranhado. E quem não quer ver como se faz o emaranhado e quem não quer sabê-lo? Melhor pensar com tranquilidade que ficar refém das verdades ou das doutrinas para a verdade. Aprender é demorado e cansativo e prazeroso e sofrido, no mais das vezes: isso é! E fica meio insuportável quando se está obrigado a cumprir cronogramas. E cumprir cronogramas, nos tempos atuais, é viver normalmente! Será que os gregos, renascentistas, xãmas e outros filósofos pensam por cronograma! Parece que a história não nos fala muito sobre o tempo de fazer a vida é só sobre o tempo no qual as vidas se passaram. Entre o espaço para pensar e a ordem de produzir pode se passar muitas coisas, desde a criatividade até a cópia de si mesmo ou, como mais comumente se dá, a cópia do hegemônico. E... fico pensando, que num mundo onde o aprendizado deve ser feito no mínimo de tempo possível, quem sabe menos pode mais! Talvez o mecanismo de poder da contemporâneidade seja a capacidade de tornar puro o que é empiracamente - para dizer o óbvio - múltiplo. Aliás, a contemporâneidade tem se mostrado bem afeita a cópia de si mesma e para viajar atrás: a diferente reificação das premissas positivas. Algumas acertivas de laboratório são tão frágeis quanto algumas acertivas de opinião e preconceito. Ir além é uma questão de esforço, dedicação, tempo e muita diversão (esse último elemento - para nos fazer suspirar, para nos perspectivar: celebrações!). Paradoxos de um mundo que nos convoca para ações e reações. A física cotidianamente nos atravessa com sua lei! Mas isso não quer dizer que não possamos fazer da lei uma fábula. Pois o que é hoje, pode não ser mais. E isso a episteme da própria ciência orienta.

Outro dia do Senhor chamado X

Com jornais, locutores de rádio, televisões ligadas em muitos lugares de trânsito público. Depois de relatórios, revistas, formulários, contratos, processos. Por ter o vício das palavras e querê-las nos livros de literatura, antropologia, história, teoria, receitas, blogs... cheguei a conclusão que não dava mais para ficar calado. Porque eu estava explodindo de tanta palavra-som-cheiro-cor trombando e corroendo o corpo.  Então, resolvi que vou escrever para me manter escrevendo, nada mais. (tanta gente que escreve nesse mundo!). 
Marco, justificado pelo escrever, um desenrolar de uma palestra: 
Outro dia, quando contei para uma pessoa, de nome h, que aconteceu de  ficar nú, me pegando, sendo espaço desconhecido... h fez uma cara de nojo e suspirou e moveu a cabeça negativamente e: puh, coisa de veado! Pensei com aquilo: veados se lambem e se coçam, não era disso que eu estava falando. Resolvi não responder porque a inteligibilidade alí estava corrompida pela prática preconceituosa de h. Não poderíamos dialogar sobre fazer de si algo mais do que uma ideia (bem tênue, aliás) de identidade. Tem pessoas que só conhecem uma nota musical, infelizmente! Mais dó, ré, mi, fa, sol, lá para esses donos de si! Aliás, mais sustenidos, também.
Então, resolvi que vou escrever para me manter escrevendo, nada mais. (tanta gente que escreve nesse mundo!). 

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

quase sono, quase terror

Quando acordou de um sono quase sono, os acontecimentos da noite passaram para um pensamento sobre.
Despertou na madrugada com o sobressalto de um ruído que supunha se localizar na cozinha e não conseguiu voltar a dormir sem deixar os olhos abertos e a mente desperta por longos minutos. Olhava para o espelho que estava diante da porta esperando que alguém entrasse e toda uma situação de violência se instalasse. Como ninguém apareceu, levantou-se da cama para olhar a casa. Luz da cabeceira acionada, chinelos nos pés e investigação do medo, do pensamento de medo, que é uma possibilidade de pior, de incontrolável, de invasão, de submissão, de um não sei que imaginário que é sempre algo próximo ao horrível, horrível como substantivo! Cada passo na casa acompanhado por um não querer que esse pensamento de um possível horrível fosse uma circunstância. A chave de luz da sala e uma vista panorâmica: nada. Até a cozinha e também nada. Passos suaves até a área de serviço...porque mais escondida, mais o coração se inquietou: e nada também, nada em todos os lugares passíveis de abrigar alguém. Os lugares que tinha mentalizado durante os longos três minutos que ficara fixamente esperando através do espelho. Depois uma vista pelo banheiro e outra pelo escritório. Pensou em abrir as persianas da sacada e ter certeza do nada. Desistiu por temer e por pensar no exagero daquela última ação.
Voltou para a cama. Cobertas até a ponta da cabeça depois de apagar a luz do abajur. E, da persiana meio aberta, o movimento da árvore lá fora fazia seu pensamento fantasmagórico. Depois, mais tempo assim, pensando em como se defenderia ou atacaria se alguém entrasse em seu apartamento enquanto estivesse deitada na cama. Muito tempo pensando em todo esconderijo possível para cada lugar de possível arrombamento. Exemplo: se entrassem pela porta da cozinha: um lugar; se entrassem pela janela do quarto: problemão. Pensou tanto, que de cansaço com o absurdo adormeceu com o pesadelo de alguém segurando o corpo pelos braços, onde a força lhe faltava para desprender-se daquela angústia. Ficou um tempo naquela situação de tentar sair da prisão, quando recuperou as forças por não sei que respiração e dormiu até o despertador mostrar 6:45.
De pé, para mais um dia, além do corpo entregue depois de uma briga longa contra um pânico sem sentido, ficou a marca da existência de um pânico e a revolta de saber que os pânicos o são porque podem ser acontecimento relacional negativo.
A outra noite de sono, foi de sono e foi ótima.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Ninguéns x Alguéns


Brigando com a raiva que está engasgada porque nem gritar direito e falar alto de noite na calçada parado no mesmo lugar pode. Ninguém pode mais nada e alguém grita da janela que vai chamar a polícia e outro ainda abre nervosamente a persiana para dizer sei lá o quê porque podia dizer qualquer coisa mesmo que ninguém iria ouvir porque todos falavam alto de contentamento de amizade e de cerveja. Queira alguém ou não, sempre ninguém ficará perambulando pelas madrugadas para fazer ouvir os que tem pouco sono e muita hora para acordar. É assim que funciona com alguém, grita para reprimir não para festejar ou para superar. Por hoje ninguém vai ensaiar uma tentativa de paciência depois de discutir e perder a compostura mais uma vez com a telefonista. Porque ninguém também tem raiva de certas coisinhas que foram feitas por os alguéns que acordam cedo e ficam com raiva, muita raiva dos ninguéns. Tudo bem, sempre temos como desviar das caras feias e das contas erradas, mas, às vezes, isso dá um trabalho além das vontades e necessidades de uma vida que poderia ser feita sem roubo. Alguns alguéns roubam o tempo, o dinheiro, a paciência, a energia, a vontade dos ninguéns que só querem produzir sossegadamente e confraternizar até o desejo entupir o corpo de feituras com os outros. Chega de reclamações, assim quase me fico alguém de poucos amigos!

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Nota contra os detratores da dúvida e da dor:

Arrancava cascas das árvores só para arrancar e corria somente por correr, por ter as pernas antes do pensamento e sem saber do depois vivia como se tudo bastasse. Vem cá, essa vidinha de merda não tem mais como continuar. Esse trancar-se em casa, comer, beber, reclamar e limpar não segura tesão, não faz nem vontade de fugir da missa! Espera, por que eu fico sentado sem fazer um movimento eu tenho algum problema? Problema tenho eu que não aguento ver gente sentada fazendo qualquer coisa no embalo de fazer nada. Hoje mesmo li que um Ele qualquer e o melhor dos Eles têm uma vida e têm que vivê-la. E quem se nega a viver é melhor ou pior? Perguntas morais apresentam respostas marcadas. E muitas vezes quem morre ou simplesmente cai recebe julgamento cristão de bocas que preferem animais a seres humanos. Vale alguma coisa discutir com esse tipo de boca? Simplesmente quero ficar parado aqui, mexendo o dedão do pé para ficar com fome. Tenho mesmo vontade de comer todas as falsas questões e mastigá-las, fazê-las reviver de mistura... porque as falsas questões, não são aquelas que podem ser falsificadas por um experimento posterior, não! São aquelas que não fazem nada desde que foram enunciadas. As falsas questões são dogmáticas. As falsas questões dizem o que pode e o que não pode para todos e de uma vez! Se estou farta de falsas questões é porque não posso respirar sem ouvir um você deveria parar com. Parar parece o verbo dos moralistas! Deveríamos grafar na lápide de cada moralista: "Enfim... PAROU! De encher o saco alheio"!!!! Entre não saber se está tudo bem ou tudo mal e continuar vivendo. Entre saber que tem coisas que estão acontecendo e outras que esperam uma ação. Entre saber que existem largos pensamentos e opiniões. Entre cravar a faca na barriga do estômago e ficar de boca calada engolindo a biles. Entre um café preto e. Entre ficar acordado e dormir depois do almoço. Entre ter raiva e fazer da raiva uma super potência filosófica. Entre escrever e escrever. Entre calar e ficar muito quieto. Entre beber e observar. Entre observar e beber e beber e cair. Entre de tudo um pouco e de um pouco de tudo nada. Entre uma coisa e outra: fico contente e triste.

domingo, 17 de julho de 2011

Ver mais ou menos

Talvez seja uma função do tempo, talvez passamos no tempo, talvez simplesmente não acreditamos mais, talvez estejamos enganados. Do que se trata, talvez: saber se somente duvidamos ou se sabemos mais sobre a maquinaria dos saberes. Se fossemos cegos por muito tempo e se pudéssemos num passe de mágica deixarmos a miopia, deixarmos de estar em astigmatismo, deixarmos de não poder ver sem utencílios clássicos: tudo isso se fossemos ao cirurgião e por sete mil e poucos reais passássemos a acordar vendo. Poderíamos ficar bêbados, poderíamos perder os óculos, poderíamos entortá-los; deixar secar as lentes, rasgá-las, perdê-las; poderíamos ser como todos os que vêem. Poderíamos deixar de ser míopes, mais ainda, deixaríamos de ser cegos de ocasião e não teríamos mais como deixar de ver por opção, aliás, o que não seria problema, pois quase nenhum  míope deixa de ver por opção: mesmo quando as circunstâncias pressionam e não vale a pena estar em campo de pessoas que vêem. Poder ver como. Mais uma vez a maravilha de poder acordar vendo! Poder esquecer o lugar dos óculos. Tudo isso vale a tentativa? Vale a promessa dos oftalmologistas que há tão pouco realizam intervenções na córnea via lazer? Vale o não tempo do acompanhamento de pesquisa? Vale? Para quem quer ver melhor, tudo vale. Mas eu também quero ver melhor e não tenho tanta certeza se quero raios em meus olhos. Um tanto conservadora pela lembrança de um antigo amigo aftalmo para quem as cirurgias eram momentos de moda e ele está morto e as cirurgias fazem todas as cabeças. Será que estou completamente reacionária? Fato é que nunca gostei de intervenções corporais externas através de máquinas não pensantes. Os que acreditam em médicos e tecnologias, devem acreditar também que nada que pense sobre a dúvida vale a pena ser levado à reflexão. Isso só me importa quando os envolvidos estão afetivamente envolvidos comigo.
Não faz muito eu experimentava uma tranquilidade de quem entendia e era entendido pelos próximos. Agora, tudo mudou, estou muito longe ou cada vez mais longe dos próximos e por um entendimento não deles, mas das coisas que eles acreditam como certeza, nem digo como verdade. Esse momento não tem me feito feliz, ao contrário, tem me feito entender algumas biografias que antes me pareciam exageros para fazer de homens, ídolos. E agora: não são ídolos são pessoas. Pessoas que não puderam desligar seus pensamentos.
Pensar é estar mais e mais só, mais e mais ridículo perante o mundo, mais e mais inconveniênte. Pensar é aprender a escrever mais e falar menos. Pensar, para os que bebem, é beber mais e sofrer mais.
Com as palavras para poder conversar, para tentar não estar completamente equivocado.
O tempo nos deixa vulneráveis frente às certezas dos outros porque somos por elas atingidos, não porque elas nos provocam exclusivamente dúvidas, mas porque nos provocam solidão.
Eu não sei quanto realmente vale deixar de ser míope. Consigo imaginar, ao acordar, que vale muito para mim.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Nonsense

Faz-se uma careta quando a pia está dura de farinha e dá-se um sorriso porque do forno escapa um cheirinho de pão para ser apreciado na primeira hora da manhã. Muito bem, um nariz torto por um sorriso largo ou um sorriso largo por um nariz torto. Caminha-se até a sala para arrumar o sofá da noite anterior com filme de terror e Let It Be para terminar mais inspirado e encontra-se a carteira de cigarro parcimoniosamente administrada no dia anterior guardando no interior dez menos sete. Das lembranças de uma boa noite as desventuras de um acordar enviesado. E sem contar que esta-se sob uma temperatura ignorante de tão fria. Fala-se que viver no Sul é aprender a fazer a vida na geladeira ou mesmo dar um jeito e fazer um crediário de um aquecedor que supere a preponderância dos dedos congelados e outras extremidades avermelhadas. O calor da máquina corpos trabalhando para não parar com a própria existência. Resmunga-se até limpar a pia, até arrumar o sofá, até tomar dois copos de água (gelada ao natural), até se convencer que não vale nada brigar por sete "pregos a mais no caixão" como dizem por aí, até respirar-se os ossos e alegrar-se com o sol e saber que é segunda-feira e retomar as coisas é um sinal de gravidade já que estava-se há alguns dias num final de semana prolongado ou em férias antes das férias ou suspenso no tempo para continuar a gravidade que preocupa na segunda-feira... seria melhor terminar os trabalhos e começar uma segunda-feira com tempo para aquecer-se, simplesmente aquecer-se. Começa-se o trabalho na segunda e segue-se com todas as lãs disponíveis no guarda-roupas. A comida estragou porque o final de semana foi de idas e vindas de um para outro sítio, fazendo-se paradas no supermercado, sempre no supermercado - uma única excessão: parada na banca de revistas para comprar a ffw>>MAG e uma publicação (bem vagabunda, é verdade) com artigos de físicos e astrônomos (da década de 50 do século XX a maioria) e mesmo a cabeça compreendendo melhor os elementos químicos e as reações descobertos como inovação há cinquenta anos ficou difícil não pensar que aqueles dez reais poderiam ter sido mais felizes com um vinho razoável para analisar outros buracos negros, estrelas, supernovas e seja lá mais o quê que compõe esse UNIVERSO! Sentir-se um idiota, resumo da experiência! e insistir mais um pouco para chegar a conclusão de que nesses assuntos está-se mesmo: idiota! Vinhos, vídeos, vídeos, vídeos e comidas, comidas, cobertas, cobertas e água, água e corajosamente banho. Segunda-feira: muda-se de casa depois de sorrir e fechar a cara e comer pães e recolher todos os lixos da casa. Chega-se em casa e essa casa é a máquina mais fria que qualquer desejaria para começar os trabalhos da semana, os trabalhos do semestre, do ano... porque esse é o trabalho que será fabricado por vários dias e já está, como tudo na vida quando percebe-se que amassamos elementos que foram inovações há cinquenta anos atrás. "Nada se cria, tudo se transforma"!? Pois é, até mesmo um disco muda de figura quando escuta-se o trabalho da primeira a última faixa. E isso aconteceu. Começou-se uma audição com cara de mais ou menos e prestando-se atenção a coisa se fez bela! 

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Nota

Uns tempos que passam sem grandes consternações, outros mais comunicativos, ainda os fechadíssimos, irriquietos, dementes, os tempos de montagem no início do cinema, tempos recortados para produzir a narrativa próxima da coerência. Tempos clips de música, onde a música é o canal do movimento, tempo de filme contemporâneo onde se quebra a montagem e se monta uma espécie de memória, onde se misturam personagens mecânicos, cibernéticos, históricos, folclóricos, lendários, mitológicos, arqueológicos e por que não, genealógicos quando o filme se importa em fazer a criatividade discutir politicamente, embora eu acredite que toda a criatividade procura seu espaço de objetificação na e através dos contextos sociais e que não há um só movimento que escape de uma articulação política, mesmo quando há um esforço para “deixar a política fora disso”. Há uma diferença, nesse sentido, entre a política força, a política instituição, a política resíduo silencioso e resíduo explosivo. Há diferença entre a política em demagogia, em ideologia, em poder, em moral. Há diferença da política e da sua dobra e do seu limite. Há diferença nas potências de combate, de resgate, de encolhimento, aprisionamento, morrimento e etc, Diferença não é igual em todos os pensamentos: há diferença excludente e diferença somática. A excludente fala pelo relativismo centrado no eurocentrismo lógico, a somática fala por uma composição constante constitutiva. Ainda há diferenças dentro dos contextos de diferença e há junção de diferenças, atravessamentos, desabamentos, aprendizados, trocas, genocídios e etnocídios. Se há, como diz Foucault, o espaço das possibilidades que é demarcado e demarca as impossibilidades como lugar (existente) da não palavra, do não registro, da definição negativa, então há para o pensamento o caminho de buscar para traçar localizações várias, escrever as coisas, torcer as palavras e fazer outras coisas pelo exercício da abertura. E sobre as proteções... bem, somos mais ignorantes de nosso lugar que da vontade de entender o lugar dos outros, já escrevia Levi-Strauss na sua reflexão sobre o trabalho do antropólogo, no final de quatrocentas e tantas páginas: pois é, parece que o não julgar está inscrito no âmago da interação antropológica e o problema de julgar tem sua genealogia. Vejo a suas marcas religiosas, suas marcas de penalização. Julgar como ação não diz nada; para ampliar é forte buscar os acoplamentos. Realmente, estar em meio aos outros é perigoso para nós, pois faz desconstituição, faz confusão (no impacto) e a dúvida faz o entendimento sair do mesmo, da coisa fabricada e afirmada nos interstícios das relações. Aliás, não estarão as relações mesmas em estado de interstício?

domingo, 12 de junho de 2011

Me fiz de papelão:

Eu sou de papel e tenho aparelho digestivo. Estive entre pigmeus por segundos e suado levantei da cama para ir ao banheiro. Eu tive dentes também e vontade de comer as frutas, as ervas, ovos e massas, grãos e tudo que cheirasse bem e fosse colorido e produzisse alguma sensação ao toque. Depois, com tantas escovações nos meus dentes dentro da minha boca de papelão, eu entendi que tinha mãos e força. E te tanta força minhas gengivas começaram a encolher e fiquei com medo de ficar sem dentes e ficar sem instrumento para a minha vontade de comer, a única que dia após dia me fazia sair do meu sonho de pigmeus. Resolvi procurar um dentista. Antes de ser de papel eu comecei a pagar um plano de saúde. Estou a pagar saúde após saúde. Meus dentes me fizeram procurar pela segunda vez na lista de credenciados. Mas a lista de credenciados não tem nenhum dentista. Pigarro em movimento. Estou com uma garganta também. Essas sensações eu conhecia do tempo que eu tinha um corpo cheio de órgãos e que de tanto desenhar consegui fazer de papelão, mas a fome eu nunca consegui desejar de papelão, tampouco a comida. E comida é tão variada, que tem algumas que precisam de dentes e tive que desenhar dentes parecidos com aqueles que eu conhecia e desenhei, para o infortúnio da gula e da força, as gengivas a fim de fixá-los em algum lugar. Contudo, mesmo estando de papelão eu me sentia agitado e preocupado. Na verdade, me preocupava cada vez mais com o material que me fazia material. Tive vontade de correr por aí num dia de chuva e não pude, pois uma vez molhado, praticamente estaria morto, no mínimo completamente desengonçado, pronto para virar papel machê. Estive na praia e nada de banho de mar. Quis encontrar uma pessoa e dormir com ela; encontrei, mas eu estava muito diferente daquilo que alguém poderia imaginar e desejar para dormir junto. Desejei conversar, desejei estar perto para falar sobre as coisas que eu fazia, sobre aquilo que pensava, desejei conversar para ouvir o que os outros pensavam e faziam, queria ouvir histórias, entender de amizade. Depois do interesse inicial que certas pessoas manifestavam pelo meu estado de papelão nada mais restava que um falso número de telefone anotado em alguma parte do meu material orgânico. Aliás, fiquei tatuado de números e nomes, somente nomes e números, não existia nada além das diferentes caligrafias, das marcas que todos deixavam para serem procurados e lembrados. Quando os procurei: não os encontrei. Uns por estarem muito ocupados, outros por estarem muito bêbados, outros ainda por não se interessarem mais por histórias de papelão. Vivi anos assim, agitando-me e tranquilizando-me à hora de fazer uma boa refeição. E quando os meus dentes não se sustentaram mais, foi que a vida começou a ficar insustentável. Aquela correria para juntar dinheiro para uma consulta com o dentista. Fui para descobrir que todos os meus dentes se despediam da minha gengiva porque a força dos meus pensamentos fazia com que eu cerrasse os dentes quase o tempo todo, eu de fato passava o tempo mordendo a angústia, mordendo as vontades, mordendo essa diferença que eu mesmo produzi. Mordi tanto, mas tanto e tanto que os dentes também lascaram e dos dez dentistas que consultei procurando entender o por que dos meus dentes estarem em revolta, foi o sexto que disse que eu precisava era de um profissional para conversar. Profissional para conversar, guardei na cabeça achando aquilo tudo muito estranho. Comecei a prestar atenção nas coisas de ser de papelão e percebi que eu exigia desse meu estado de papelão muitas das coisas que eu tinha quando estava em outro corpo. Mudei de material, mas não havia mudado minha ideia de materialidade. Eu poderia continuar sem mudar o sentido do entendimento? Dormi e acordei por mais dois anos antes de sair correndo num dia de chuva. 

sexta-feira, 13 de maio de 2011

"Miséria é miséria em qualquer canto" Titãs

Tento sentir bonito e não tem como porque também as coisas devem contribuir para o belo e mesmo tentando pintar impressivamente não consigo fazer das paisagens mares ondulados de cor. E certamente não o faço porque sou outra depois de Van Gogh, como depois de mim muitos outros virão... no movimento discreto do tempo ou diferenciante quando tomado em pencas de anos (nas suas décadas, séculos, milênios e outros infinitos compartimentos do movimento). Sabes, tenho pensado que ando muito, muito crítica nos últimos vinte anos... também pensei que com as vivências eu me tranquilizaria com muitas coisas, mas o mundo não deixa. Parece estar convicto na sua missão de tornar as relações com tudo cada vez mais feias. Pois bem, voltamos à questão da beleza: através da leitura que estou fazendo do "Pesadelo Refrigerado" de Henry Milller, encontro um companheiro para expressar as misérias do mundo. Ele estava voltando depois de uma década na França/Europa para os Estados Unidos da América, sua terra de nascimento, em 1935 (início da segunda guerra mundial). Decide fazer um viagem, conhecer os Estados Unidos para se reconciliar e sair mais uma vez. O que isso quer dizer, imaginemos. Imaginemos esse deslocamento nada extraordinário dos estadunidenses... aliás, um território constituído desde sempre por deslocamentos (como a maioria ou todos, até não sabermos ao certo como a vida acontece), onde podemos marcar a conhecida corrida para o oeste em meados do século XIX, enquanto movimento massivo-de-trem-cavalos-carroças-panelas-cabeças-botas-whisky-sonhos-pesadelos-armas-abusos-ouro-suor-protestantismo-chapéus-morte-vida e outras maneiras, outros encaixes: eles tem uma vontade ou tinham uma vontade de andar, de conhecer a diversidade de seu grande país, de seu badalado território conquistado com sangue para a  divisão e unidade, para a liberdade e coerção e escravidão e mais. Antes de Miller quantos? Vários coletivos indígenas, aventureiros, desterrados, pesquisadores, políticos, civis, pobres, miseráveis, gananciosos, colonizadores, bastardos, missionários, loucos: todos loucos! Depois dele: beats, hippies, solitários, descontentes, por que não, os desterrados, pesquisadores, políticos, civis, indígenas (os que atravessaram as balas), missionários, colonizadores, bastardos, loucos: os que saem para entrar mais nos sentidos através das experiências que são produzidas e produzem relações. A maioria dos normais viaja a trabalho, de preferência de avião - "time is money". Vocês lembram do filme "Paris-Texas" do Win Wender? Para sentir, para estar em cada passo do caminho, para marcar o corpo com o caminho e o resto é poeira para que os outros também passem.
Entre todas essas pessoas que conhecem temos os que vêem as coisas de tempo em tempo mais feias e mais bonitas. Volto ao Miller, à década de 30 logo no início da segunda guerra e me pergunto insistentemente por que seu livro de viagem me diz tanto sobre o que está acontecendo agora, aqui na cidade onde vivo, ano de 2011, no século XXI? Cidade sulamericana, americana, americana... o eco da industrialização que marca as falas da maioria dos progressistas, para não generalizar, aqui no sul do Brasil (com certeza eu poderia generalizar sem grandes constrangimentos) é bem próximo ao que Miller escreve como ocupação-feitura de uma maneira triste de existir. Vocês e você e tu e ela e ele dirão que é muito fácil diagnosticar um problema e definí-lo por uma palavra: industrialização. E respondo: tenho que desenrolar a palavra, fazê-la sair de uma paz de conceito dado como entendido. Porque tenho esse desconforto, essa vontade de sair gritando para tudo e todos que está tudo errado: muito lixo no chão, na cidade, no mundo, nas cabeças! Muita merda de cachorro!  Falta de uma noção mínima de compartilhamento do espaço, uma vez que os cachorros tem prioridade na calçada! (atentem que não critico os cachorros, mas as circunstâncias de convívio) Sem contar os empurrões na faixa de segurança enquanto esperamos o sinal verde para pedestre. Se conseguirmos sair ilesos da raiva que predomina no trânsito talvez possamos nos aliviar da tensão. Motoristas tais soldados lutando cegamente. Atropelamentos para  pegar ônibus, mais empurrões e bundadas e cotoveladas para conseguir se acomodar. Uma série imensa de ações-desconcertos para os sentidos.
Sem palavras.
Sem sorrisos.
Com muita hipocrisia.
Não é sempre, não é com tudo e com todos. Porque se fosse eu acharia que essa pressão para a miséria seria o espaço de vida por excelência. E não é! Pelo presente. Pelo Passado.  Porque há beleza: atravessa resistente, combativa, flutuante.
Aos poucos vou escrever a minha viagem pela lógica da industrialização, difícil e cheia de palavras, do jeito como ela passa por mim aqui onde estou. Aliás, já estou fazendo isso.
"Riquezas são diferentes"!!!!

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Guerra

Estava sem lugar. Melhor: qualquer lugar me era indiferente. Cavoquei dentro de todos os espaços da memória algum sentido, mas uns sentidos não podem ser ativados pela memória, precisam de algo mais, precisam de acontecimentos. E nada acontecia. Só o nada acontecia. Noite e dia e tarde e olhares de cores fracas, tão fracas que era difícil pegar algum lampejo. Começei a assustar-me e fiquei triste, muito triste com o fato de passar pelas pessoas e elas estarem mortas. Semi-vivas, semi-mortas, quase alguma coisa que se move para a morte, porém que pára para a vida. Vontade de sacudir aqueles corpos pelos quais eu passava na rua. Cheguei a pensar que talvez fosse melhor não sair por um tempo. Ficar em casa com as minhas cadeiras dos anos cinqüenta, com minha geladeira vazia, cujo estômago elétrico roncava em tremores, tal qual o compasso das pontadas do meu estômago fatigado pela revolta. De qualquer forma eu tinha que trabalhar, o que significava que a opção de ficar com as coisas, somente com as coisas, estava proibida. Indignei-me porque grande parte da produção social contemporânea me joga para as coisas e quando decido estar com elas , afim de evitar essa coisa de olhar para as pessoas, sou obrigado a abrir a porta e rua! Pois muito bem, vou ajeitar milimetricamente meu chapéu panamá para que fique bem na altura dos olhos. Assim cuido mais por onde piso e me preocupo menos com essas caras horríveis, miseráveis. Porque as gentes estão mesmo miseráveis, embora bem vestidas e bem nutridas. De olhos para o chão encontro os olhos e o cheiro dos mendigos, que são muitos, muitos os que vivem nas ruas e me exigem privacidade. O sujeito gritou: o quê eu estava olhando? Ora, pensei, olhando para o chão, para os pés sujos que me xingavam, com um x insuportável para a situação pública na qual nos confrontávamos. Eu olhava para as lajotas das calçadas, para os troncos das árvores enquanto atravessava alguma praça; olhava para algum espaço vivo coberto de grama viva ou semi-viva, tal qual as pessoas. E o homem não parava de me insultar porque eu não conseguia me mover. Paralizei tonto com o chulé gasto de toda aquela cena de comida no chão, cachorro de coleira, plásticos e papelões, uma garrafa de água e outra de coisa mais ardente, paralizei com aquela exigência de privacidade. Isso ficou acontecendo por uns três ou quatro minutos, talvez, não sei. Então, gritei: gritei para que fosse à merda. Que se quizesse a sua tão querida privacidade que fosse se alojar entre quatro paredes. Que não tínhamos privacidade, que esse conceito era uma furada, uma tentativa de nos deixar calmos enquando a máquina do capitalismo nos atropelava,  a todos! E acrescentei furioso: mais a mim, certamente, do que ao senhor! Portanto, não me fale em privacidade, não me fale em guardar seus órgãos sob a proteção da pele, não me fale que está com fome, que não agüenta mais, que sofre, que está em perigo, não me fale de perigo e privacidade, não seja mais um déspota a me apontar os próprios pés fedorentos como o centro do universo. Cansei.
O homem levantou-se, olhou-me profundamente, olhos de mel, meu deus! Ele disse. Vou te matar, seu desgraçado!! E agarrou o meu pescoço com suas unhas de terra.
Lutamos, lutamos, lutamos até ficarmos, os dois, lado a lado, na calçada. Observados em nossa privacidade por uma multidão de curiosos apáticos e burros. 
Olhamo-nos. Cumprimentei-o. Ele a mim. Fui trabalhar, assim, sujo, despenteado, suado, nem derrotado nem vitorioso. Saí de uma batalha para a guerra e que viessem os chefes, colegas e comentários,  hoje tudo poderia acontecer porque muita coisa estava fazendo sentido, muito sentido.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Um Outono: Um Homem Chamado X

Um Homem chamado X andava contente com esses dias de outono. 
Chegava a exercitar piruetas na rua e a cantar em voz alta, ele, justo ele, um desses cidadãos que fazem de tudo e mais que o tudo para passarem quase invisíveis pelos outros, nas ruas, supermercados, bancos e todos esses lugares de filas e olhares furtivos. Aliás, como se rouba olhares nesses espaços de suposta indiferença. Suposta porque lhe parecia que todos negociavam sentidos, negociavam as coisas que não se fala, aquelas que chegam a ser comparativas. Um cabelo, um terno de linho, um vestido florido, uma armação de óculos elegante, um sapado clássico, cheiros essas coisas das modas que se vem e que se atravessam e entretecem no tempo, modas que são gostos ou que são tentativas de estar como forma. Sim, forma: essa mesma ideia que se usa para as discussões em arte.
X andava tão contente que ouvia rock´roll, rock´roll all nigth. Chegou a sair de casa num desses dias de segunda-feira com a empolgação de um show de Chuck Berry aos oitenta anos. E fez-se Elvis Presley mexendo sua pélvis como num coito apaixonado e selvagem. Deixou-se totalmente embebedar pelo corpo, queria corpo, corpo e mais corpo. Compor com todos os corpos, compor com materialidades e imaterialidades, Compor com aquele sol. Entrar no vento. Desfrutar do toque da chuva. Abraçar árvores. Sim, parou numa ruela para abraçar uma árvore, final de tarde, o sol a inundava de calor. Um corpo liso, ainda liso, junto, dentro daquela casca que pulsava. Encostou o ouvido no tronco e despediu-se com uma escutadela. 
Na saída, correu, correu, correu até perceber que precisava fazer alguma coisa, pois não tinha mais poucos anos. Percebeu também o quanto já tinha feito do corpo, mesmo naqueles dias de marasmo deitado à cama, embrutecido pela televisão. E que o corpo tinha limites, assim como tudo que não é levado a sério e investigado com paixão. Correu até sua casa e tirou toda roupa em frente ao espelho. Nú. 
Olhando-se nú.
Amando-se nú sem tocar em qualquer parte do corpo.
E mirou a mão, com os dedos... ora os dedos.... sempre, todo dia aquelas mãos a lhe lavar, lhe alimentar, lhe abrir a porta para o mundo, aqueles dedos agarrando cada momento para levá-lo adiate. Às vezes levá-lo de volta, levá-lo para memórias empoeiradas, guardadas num baú que fora a caixa de ferremantas de sua bisavó, sim, tivera uma bisavó afeita aos trabalhos com madeira, especialista em rastéis de seis dentes. Puxava tudo, diziam os que vieram depois no espaço-tempo.
Juntou as mãos em palma e entrelaçou os dedos, soltou-os para largar as lembranças dessa estranha que conhecia melhor que aos seus contemporâneos.
E olhando-se massageou o peito, carregando as mãos às costas e deixando-as escorregar até as nádegas. Ainda duras. As nádegas... passava por elas somente na hora de secar o corpo depois do banho, também quando a cadeira era dura ou o ônibus estava lotado. Mangas. Sentiu-se com mangas. Sentiu-se vulnerável à uma mordida. Desejoso de uma mordida. Mordida de boca vermelha, boca molhada. Largou os braços na extensão e tocou os quadris, massageou as pernas sem constrangimento e acariciou os dedos dos pés. Quanta bobagem, quanta prudência, quanto desconhecimento em relação ao próprio corpo.
E o pênis fervilhando com o sangue, aquele sangue ativado por uma beleza íntima de outono, uma beleza de vida: isso é quase tudo, pensou. 
E tocaram o interfone: não atendeu.
Continuaram tocando: olhou-se fixamente no espelho. Fixo nos olhos.
A campainha ritmada: de quem eram aqueles olhos? 
Ninguém em casa para atender a porta, somente um homem chamado x que dançava nú.






quinta-feira, 3 de março de 2011

Parar:

Parar. Parar com muitas brincadeiras. Para deixar de fazer tentativas infinitas. Para trabalhar antes de mostrar coisas às pessoas.  Para ficar mais escravo de si mesmo, mais escravo do mundo-roda-viva.

Uma das questões dos tempos de hoje (e imaginemos nós de quantos mais): mostrar não resolve o que as pessoas veem. Porque as pessoas sempre veem alguma coisa para positividades ou negatividades, às vezes, até muito a mais, veem as coisas do entre e isso tem a potência para produzir encontros. Mas, muitas vezes, veem o que querem ver. E um problema pode acontecer quando o querer  repousa  na padronização da forma monólogo de comunicação.

Pessoas que veem desrazão até antes de a boca falar. Que - com sorriso - acenam uma condição indesejável para uma conversação. Elas tem o direito de acenar. De dizer sim e não e ficar em dúvida e brigar. As pessoas tem o  poder de ir até as últimas consequencias quando se faz conversa. Para não fazer conversa, se usa e abusa do direito de categorizar ou de ser uma delicadeza duvidosa.

Acaba-se com o assunto antes de ele poder estar um assunto. Rompem-se os pratos, mudam-se as posições na sala, outros lugares e outras entonações das vozes. E ninguém entende nada porque nada foi dito, além da vontade de sarcasmo. 

Também acontece que se decide saber com toda certeza sobre uma vida que nunca mais com-vivemos. Bater o pé,  querer jurar! que alguma coisa está modificando aquela vontade que antes estava outra e que se supunha conhecer: desconhecer uma vontade atual é não se encontrar mais com ela. Os que se encontram sabem intensamente das transformações (ao menos se aproximam mais).

De qualquer forma as mudanças são bem pragmáticas às vezes - cada vez mais - quando as rugas acompanham contas, filhos e um futuro de incertezas (como qualquer futuro, aliás). Assim nos encontramos também com nossos próprios tempos e geografias. A vida na constância de múltiplas mudanças. Quando é através do múltiplo dos outros que nos damos conta que também não somos mais os mesmos ou somos os mesmos de um outro discurso.

Para afirmar que estar nas coisas não é fácil, principalmente, quando se está transitando entre sentimentos pesados. Esses acontecem com tanta força que entortam. E sempre tem outros tantos para entender perturbações e fraquezas e pedidos de socorro sussurrados com olhos de fogo. Tem outros para continuar nos fazendo mudanças. Ainda bem.

A personagem pára. 

Parar. Parar com não fazer brincadeiras. Para deixar de fazer tentativas infinitas de retidão de um pensamento circense. Para trabalhar antes de mostrar coisas às pessoas, trabalhar com o prazer do corpo inteiro.  Para ficar mais livre de si mesmo, mais livre do mundo-roda-viva.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A cozinha de Um Homem Chamado X

Um homem chamado x continua andando a pé para comprar o tal chapéu Panamá. Mas também anda nervoso porque o sol está tão suportável quanto uma chapa quente que te persegue a cada passo. Falando em chapa e coisas quentes, um homem chamado x estava com dúvidas sobre a disposição das coisas na sua cozinha. Como dúvidas? Ele mesmo, coçando a cabeça, entrava no absurdo. Porque se alguma coisa era verdade, além da destruição da camada de ozônio, era que aquela cozinha precisava mudar de alguma maneira. Ela, completamente sossegada, produzia estranhas resistências. Ele chegou a pensar que tudo era um sonho, impossível cozinhas com vontade própria. Aquele lugar tinha quase mais vontades do que ele quando o assunto era permanecer exatamente com as cadeiras no mesmo lugar; paredes brancas levemente amareladas - já que um homem chamado x pouco cozinhava (por aqui a história mereceria maiores detalhes, não para o deleite do leitor, uma vez que o deleite do leitor atualmente parece ser o ponto final de uma escritura, mas sim porque cada prato era realmente um exercício de cores e cheiros e sabores e, às vezes, desamores) - copos e pratos comprados na mesma promoção, fabricados com o mesmo material, pintados ou melhor seria dizer tingidos, com as mesmas figuras abstratas (ele gostava de abstratos, ele gostava de pessoas Pollock e coisas Pollock e cores Pollock e tempos Pollock, ele gostava); a geladeira que era uma voz incessante a marcar o compasso da sua irritação; bem... o fogão ele trocara há dois anos, mas parecia uma peça fora do lugar, segundo a perspectiva da cozinha. Um homem chamado x, por pouco dinheiro, ficava com as paredes, mas aquela cozinha tinha que deixar outras passagens, outras espaços... ele faria como? Convencer uma cozinha, era, sejamos no mínimo o mínimo, nada muito normal: aquela vida normal que acontecia com ele quase sempre. Mas como quase acontece mais que o sempre ele comprou cadeiras da década de cinquenta numa loja de roupas que estava liquidando até os bicos de luz do estabelecimento. Chegou em casa com o entusiasmo de cadeiras da década de cinquenta, chegou em casa com mudanças para a outra, para aquela cozinha que se tornara apavorante pelos iguais a todos os dias que ela emanava. Sim, ela emanava ela mesma em todas as manhãs e noites... sem contar os finais de semana... sem dinheiro para almoçar fora... e aquela cozinha. Eram três cadeiras, três cadeiras dos anos cinquenta, três que ele arrumou pacientemente perto da parede, sem remover as antigas da sua posição privilegiada à mesa. E começou a sentar-se nos anos cinquenta para almoçar nos sábados à tarde, depois de longos suspiros deitado na rede. Sentou-se no chão apoiando o prato na cadeira da esquerda dos anos cinquenta. Carregou uma delas para o quarto e experimentou ver um filme sentado, ali, meio desconfortável, meio satisfeito, meio pessoa que esqueceu que pode deitar para esticar o corpo. Um fato: a cozinha agora reclamava uma presença para estar cozinha ao menos nos cafés da manhã. Resolveu expulsar as antigas cadeiras (com uma inscrição para que fossem levadas pelo "mensageiro da caridade") e quebrou os pratos no melhor da tradição grega e fez da geladeira prateleiras. Parou por um instante e entendeu, pela primeira vez, o que aquele fogão fazia ali. Parou com o fogão. Um homem chamado x voltou sem ganhar e perder nada naquele dia. Porteiro, chaves, porta, movimento na maçaneta e cozinha! Coisas no chão. Quem havia feito em seu apartamento?