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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Canção:

Alexander Pivato
Prisioneiro da mesma fuga, só que dessa vez não caminhou sem rumo nem atirou-se ao lombo deJustificarum trem de carga; utilizou um ônibus para o mesmo lugar e prescindiu da aventura, aliás, covarde diante da potência da aventura. Interpreto um desajuste e o faço porque o personagem será de agora em diante também obra minha, intervenção, oficialmente (o poder das palavras!). Contava, que ele não deu-se ao trabalho de pensar em outro ambiente para acomodar-se depois de rasgar-se por dentro, para fora deixou escorrer lágrimas daqueles dois grandes oceânos que significam sua face, porque essa pessoa fala mais pelos olhos que pela projeção de ar através do aparelho fonador. Escreve palavras míticas, porque a linguagem dos olhos é ainda mais fluida que a linguagem das palavras; signos de mistério e para tamborilar o mistério. Saiu de uma situação que o apertava e se não o apertava alguma coisa produzia, porque foi-se e deixou tudo. Mas não foi ao nada para produzir outros tudos, foi buscar os resquícios de um tudo que já exprimentara. Poucas roupas, as melhores e a ideia de ir, mas sem certeza de ficar. Foi e ficou. Deixará o tempo do lugar da angústia em suspenso até recuperar as forças, até recuperar a coragem, até poder olhar novamente com os olhos de oceâno sem deixar partes do sentido caírem por aí, até resolver que está tudo resolvido: já não se lembra de tudo que deixou... procurará somente as imagens de constituição, as de sofrimento recortará e alimentará o quentume da frieza. Mas deixou mais que materialidades dentro do guarda-roupa, mais que o cachimbo na cabeceira da cama, mais que um retrato empoeirado; deixou violências, deixou desgoverno, deixou abismo para outro corpo. Esse não procurou nenhum meio de transporte nem mudou de casa tampouco rumou à distância do conhecido; esse outro corpo, que ficou no mesmo espaço já não ocupa o mesmo lugar porque não encontra, não encontra a potência do que conheceu... Tudo em dúvida! A composição quase rara, quase morta, quase da notícia que não chega nunca e quando aparece, abruptamente, entorta de vez. Cartas e mais cartas o outro corpo precisou falar e quem foi, mal sabe de necessidades alheias, afinal, quando lutamos por liberdade ficamos mais egoístas. Chega de esperar por trens, chega de histórias de milho comido na estrada, chega de tempestades aguardadas na boca de túneis, chega de pessoas dependuradas em árvores pelo pé, chega de grandes eventos, chega de fazer da vida uma reminiscência. Fazer do corpo que partiu um corpo de entendimento e deixar passar.

2 comentários:

Unknown disse...

Lindo texto... o "teu" livro de contos já deve estar cheio de ótimos e emocionantes textos! Te Amo! Sandra

Paola Caumo disse...

Sara,
Escreves com uma profundidade estonteante. Por vezes bate uma brisa e quando percebemos lá vem um tsunami em forma de palavras. É uma canção de abandono e encontro, de despojar-se e reiventar-se. Adorei querida!
Continue nos (en)cantando com teu "palavrear".
Beijos, beijos
Paola

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