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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Sobre outro lugar e sobre corpo:

Alexander Pivato
Um personagem de sonho que reapareceu no sono tortuoso da tarde, aqueles luxos de horários em que podemos dormir depois do almoço, luxos que são um direito e assim deveriam ser legislados. Reapareceu numa situação em que eu o quiz antes de vê-lo e quando o vi ele era o do sonho outro, sonho que se renovou hoje (não imaginava chamá-lo para mais uma aventura). Sabe, agora a cabeça está um pouco confusa porque despertei confusa através do toque do aparelho telefônico. Muitas pessoas e bêbes e adultos como crianças, aquele lugar estava nesse sonho, inundado e eu tentava encontrar os lugares de solidez através da lembrança sobre o lugar produzida no primeiro encontro, mas não eram muito definidos os caminhos sem água porque as lembraças também não eram rígidas. No caso eu tinha um conhecimento privilegiado dos personagens e do lugar em relação a uma mulher que andava de bicicleta e não queria atravessar a água, mesmo estando dentro da água, ela se movimentava ignorando a água e procurando desesperadamente a terra, a laje, a cerca pela qual ela queria atravessar mesmo sendo difícil e desnecessário para encontrar lugar sem água, atravessar a cerca era continuar na água, porque no outro lado também estava alagado. A acalmei com meu conhecimento prévio e nebuloso do lugar, apenas lhe mostrei uma possibilidade de caminho seco e dessa vez caí na água e me molhei toda, algo que eu não queria mas que não me incomodou. Na queda, não pensei, mas pensei no molhado. Foi então que segui o caminho mais ou menos seco para casa, poderia aproveitar e nadar, porém isso nem passou pelo meu corpo. Foi aí que desejei a cara do homem/rapaz e o imaginei e quando nos cruzamos o vi porque ele já tinha flertado comigo antes, e gostei porque nos concentramos nos olhos também dessa vez e continuei cheia de vontades, continuei para chegar em uma mulher que lavava roupas, queria muito tomar água e a arranjei. O problema era como devolver o copo à pia, pois a pia tinha mudado de lugar em relação ao sonho anterior. Precisava passar pela mulher que lavava roupa, da qual eu me desviava, não podia com aquela pessoa; passar pelas duas mulheres com o bêbe; deixar o copo na pia e voltar para o terreno alagado; queria mais daquela raspagem de corpos... Não posso descreve-lo, não o reconheço aqui, mas o sei no sonho e gosto muito dele, gosto porque não complicamos muito! Tão tonta do sonho que o tive que grafar para passar no tempo e fazer outras coisas, sair daquele corpo de lá, porque fiquei com ele encarnado enquanto comia uma laranja e quem telefonou não esperou o suficente até eu chegar. A vida não nos espera em lugar nenhum, ela também se matiza e impregna alguns lugares. Primavera através das chuvas...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Entre seres:

Alexander Pivato 
Os redemoinhos, aqueles que deslocam rumos do pensamento, aqueles onde deixamo-nos perdidos porque não há como ficarmos perdidos, aquilo que está no corpo e não quer sair como palavra, porque pretende outras formas de conversa. Interessa que um dia, enquanto lavava a louça do almoço, observava um ser que não sabia nadar, mas que eu não suspeitava que não soubesse nadar, assim como eu, aliás. Suas extremidades corporais, muito mais leves do que a àgua tingida e misturada com o resto da gordura da travessa, procuravam desvencilhar-se da consistência: percebi aquilo como uma situação de lugar, o problema estava em ter procurado explorar um lugar e ter escorregado sem ter como sair. Eu, ali, com as mãos ensaboadas e muito próximas, potência de salvamento, um curto e fácil movimento, teria liberado o corpo em partes com duas antenas e patas que movimentava-se para cavocar uma saída. Olhei com sinsero sadismo a cena, contentamento de ver uma das tantas formigas que dividem comigo a solidão do apartamento (que já não é mais tão solitário, nunca foi!) subtraindo-se da população nômade. Aconteceu que eu fiquei, como escrevi, contente! Ora, contente em ver uma formiga afogar-se. Parece insignificante, mas é muito alto, está na relação catastrófica que tenho com essas criaturas. Porque aqui é uma relação fora do Estado, fora do contrato, fora da negociação entre supostos logos iguais; aqui é a não negociação de uma convivência de estranhos, que caminham diferente, que buscam coisas diferentes, mas que se encontram em lugares comuns, como por exemplo, entre os pratos, entre panelas, entre os alimentos, que ao fim é o que nos deixa frente a frente. É preciso, eu é que preciso, claro está, enfrentar e inventar uma nova política, não de desvio ou exterminação ou júbilo com a morte das formigas, mas uma forma de trânsito em que possamos trocar forças desiguais, em que simplesmente existamos por atravessamentos e não por reações (mais uma vez, as reações, são minhas... as das formigas: continuarem!). Talvez, estar mais formiga, largamente, mais nômade.