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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Entre seres:

Alexander Pivato 
Os redemoinhos, aqueles que deslocam rumos do pensamento, aqueles onde deixamo-nos perdidos porque não há como ficarmos perdidos, aquilo que está no corpo e não quer sair como palavra, porque pretende outras formas de conversa. Interessa que um dia, enquanto lavava a louça do almoço, observava um ser que não sabia nadar, mas que eu não suspeitava que não soubesse nadar, assim como eu, aliás. Suas extremidades corporais, muito mais leves do que a àgua tingida e misturada com o resto da gordura da travessa, procuravam desvencilhar-se da consistência: percebi aquilo como uma situação de lugar, o problema estava em ter procurado explorar um lugar e ter escorregado sem ter como sair. Eu, ali, com as mãos ensaboadas e muito próximas, potência de salvamento, um curto e fácil movimento, teria liberado o corpo em partes com duas antenas e patas que movimentava-se para cavocar uma saída. Olhei com sinsero sadismo a cena, contentamento de ver uma das tantas formigas que dividem comigo a solidão do apartamento (que já não é mais tão solitário, nunca foi!) subtraindo-se da população nômade. Aconteceu que eu fiquei, como escrevi, contente! Ora, contente em ver uma formiga afogar-se. Parece insignificante, mas é muito alto, está na relação catastrófica que tenho com essas criaturas. Porque aqui é uma relação fora do Estado, fora do contrato, fora da negociação entre supostos logos iguais; aqui é a não negociação de uma convivência de estranhos, que caminham diferente, que buscam coisas diferentes, mas que se encontram em lugares comuns, como por exemplo, entre os pratos, entre panelas, entre os alimentos, que ao fim é o que nos deixa frente a frente. É preciso, eu é que preciso, claro está, enfrentar e inventar uma nova política, não de desvio ou exterminação ou júbilo com a morte das formigas, mas uma forma de trânsito em que possamos trocar forças desiguais, em que simplesmente existamos por atravessamentos e não por reações (mais uma vez, as reações, são minhas... as das formigas: continuarem!). Talvez, estar mais formiga, largamente, mais nômade.

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