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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Entre a vontade e o estar: uns trocados.

Uma mansidão de dia cheio de luz e brisa. Aquela vontade de não ter nada por fazer para fazer tudo e nada em qualquer momento. Sair de uma aula, correr para buscar aquele livro encomendado, parar para ler ao menos a introdução tomando uma cerveja, mas a cerveja está cara em todos os botecos, bares, cafeterias e variações de estabelecimentos da redondeza. Também não interessa caminhar quilômetros para encontrar algum lugar que valha o valor do líquido dourado, do prazer de não ter que esperar a cerveja gelar no congelador, de fazer o lugar da vontade agora! O rádio, na manhã seguinte, também ensolarada, diz que a demanda pelo líquido está maior do que a produção, regra básica de economia: demanda > produção = não conseguir pagar a cerveja sentada na mesa de qualquer bodega mais ou menos digna de uma leitura. O supermercado também oferecendo preços altos para possíveis relaxamentos e outra notícia dizendo da avaliação da futura presidenta sobre o aumento do salário mínimo. Quem nem mínimo tem, espera outro pronunciamento sobre reajustes em bolsas de estudo. Estudar para beber, beber em intervalos para estudar alguma forma de fazer com que a regra básica de produção capitalista seja regra básica de concretização de desejos.

Os Monstros e uma tal de "Dona Maçaneta"



Para Arthur, meu primeiro amigo criança depois que estou grande.
 
Com meu outro amiguinho, gostamos de nos fazer monstros e inventamos nomes de monstros e os monstros não são horríveis porque nós não o somos. Nós e os monstros duas coisas diferentes ao mesmo tempo. Esquecemos mais de nós e somos mais monstros, isso também é verdade. E caminhando por uma ponte fugíamos da “Dona Maçaneta” nossa perseguidora porta, que por ser porta de garagem tinha uma bocarra enorme e supúnhamos que queria nos engolir, supúnhamos porque não a deixamos ficar perto e corríamos na empolgação de gastar as pernas e a energia. Entre uma árvore e outra, lá estava ela pronta para nos abocanhar. Que coisa, ela quase não saia do seu lugar, mas nós a pensávamos em toda parte. Até uma música inventamos para embalar a felicidade de te-la como ameaça comum. Estávamos unidos pela nossa perseguidora e pelas aventuras de monstros. Nossos nomes de monstro: hum, não lembro bem, também tínhamos corpos não muito estranhos, no máximo usávamos barba de pau na cabeça. E tiramos fotos e corríamos ameaçando os pássaros. Até o escorregador da pracinha virou rampa de aterrisagem. Nossa história de monstro não teve final feliz porque nem teve tragédia tampouco teve final: ainda. História de uma tarde de sábado, a deixar a bola perdida para caminhar e trocar imaginações por entre caminhos curtos. Estamos até hoje com essa história, mesmo que seus detalhes tenham se perdido naquele dia, refeitos a cada encontro de nossas lembranças. Meu amigo monstro tem quatro anos e estará completando cinco em poucos dias. Meu primeiro amigo monstro desde que me conheço por gente.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Eu não tenho culpa, ora essa!

Queria saber se estavas acordada. Sim, mais ou menos. Quero conversar contigo. Tchau. Tchau. 
Quando a hora marcada para a conversa se aproximava quem não desejava que o tempo chegasse, correu ao banheiro, trancou a porta e ligou o chuveiro. Também era necessário o mínimo de asseio depois de uma noite cheia de cheiros. Limpeza para uma conversa que supunha ser também sobre limpeza. Correr, correr é o melhor para fazer crescer, uma vez que os desejos dos outros também batem na porta para impor certos-muitos rigores.
Quem telefonou para falar sério, aguardava no corredor, com um copo d´água nas mãos e cara de mãe preocupada e decepcionada e irritada e um olhar de canto de uma filha que pensava "será que teremos alguma palavra nova nessa conversa séria que tantas vezes já foi séria?" Porque sempre há a possibilidade de uma invenção e se isso acontecesse, seria para uma solução drástica, pois as falas anteriores já haviam chegado no ponto: internação. Sempre o espectro da internação e aquela chatisse de que se fosse, seria uma argumentação à favor, cheia de outras respostas contra, de um lado um falando russo de outro falando japonês e aquele que falava russo só em russo e aquele que falava em japonês só em japonês. Todos os lugares preenchidos sem relação com a situação, a remarcação de um princípio insistentemente ativado. Não houve surpresa nas palavras, mas na forma. Uma intensidade de troca. O  princípio em suspenso, pois é mais difícil julgar quando o outro olha no olho com segurança e não se tem tanta certeza de que crime cometeu. Foi falado em problema, em não saber parar, em imagem - afinal, domingo até tarde sabe-se-lá-com-quem? - bêbados e inconsequentes e se qualquer acidente fizesse um estrago na familia, uma tristeza de filho morto ou prejudicado ou qualquer coisa. E... se eu estivesse como pais eu estaria dizendo a mesma coisa, mas o que posso fazer com essa vontade de loucura, não quero arrancar e quando vejo tudo está acontecendo e fico dentro e brinco e, mais do que nunca, pouco me importo porque me importo demais com tudo desse mundo das classificações, afinal - não deixo de assumir e ir até os limites da responsabilidade. Tudo bem, mas precisas de ajuda, talvez possamos fazer alguma coisa, algum tratamento. Não, por favor, não estou precisando de controle, mais controle, já estou cheia de tanta moral fazendo as vezes de razão. Mas te comprometes a não exagerar? Se é assim, se é por vocês, sim porque por mim, às vezes, tenho mesmo que mandar tudo à merda! Vamos lá, vamos cuidar da preocupação daqueles que gostamos, ser filho é bem difícil também, tanto quanto amoroso. 
Descemos e almoçamos e conversamos sem constrangimento. Teve até pudim de sobremesa... talvez mais dois ovos para diminuir o gosto de amido de milho,outra receita para desviar da ressaca.