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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Algumas coisas que diziam, disseram e ainda dizem.

Me diziam que não era para falar palavrão, mas palavrão era tão bom. Me diziam que deveria ter cuidado com os ovos até que um dia, de tanto cuidado, chovia, escorreguei na lajota vermelha e não sobrou um ovo para contar história. Me diziam que para chamar boi era para falar tô... assim longo e até hoje chamo, mas eles só querem saber da fala do meu pai: santa mão que alimenta! Me diziam para não subir nas árvores mais altas, mesmo antes de eu pensar nessa vontade e ainda hoje acho algum galho para me pendurar pelas ruas da cidade, embora a força não permita grandes avanços acrobáticos. Me diziam para não falar de boca cheia e deixo a boca fechada para comer porque enquanto sinto o gosto do manjar é melhor mesmo ficar de boca fechada. Me diziam que era perigoso não olhar para atravessar a rua e é. Me diziam para não repetir a mesma palavra na mesma frase e eu pensava em sinônimos ou outros sentidos para fazer a explicação.  Embora a mesma se repita dependendo da intesidade e estilística e do sentido. Depois me disseram que não era para conversar alto, mas tem coisas de mesa de família italiana que não dá para controlar. Veio um dia que falaram para usar batom e tentei, mas ficou meio esquisito e retirei a esquisitice com papel higiênico. Mais tarde também me disseram que não gostavam de batom e eu assenti com um riso garboso. Depois me disseram mil coisas para manter a saúde do corpo. Me dizem mil coisas. Até eu me digo outras milhares de ponderações, contudo conheço umas alternativas nada aconselháveis para a saúde ininterrupta do corpo. Não lembro como me disseram que quem morre vai para o céu. Mas eu vi que quem morria, ía mesmo antes para o cemitério... ficava pensando como chegavam através daquela terra toda no céu: um deslocamento e tanto! Depois asseveraram que não havia céu. Depois que havia espíritos que reencarnavam. Depois resolvi ouvir Hell Bells do AC/DC e continuei nessa crença junto àquela de Shakespeare que "há mais coisas entre o céu e terra do que sonha nossa vã filosofia" e por aí estou descobrindo algumas outras falas. E quando na primeira comunhão o padre perguntou: "existe inferno?", lentamente estiquei o braço e o meu sim ecoou na igreja matriz onde as crianças estavam para doutrinação. O mesmo padre: "por quê?" ao que ele mesmo respondeu: "porque tem céu! Afinal vocês não sabem que para existir deus precisa existir diabo?". Naquele dia fui para casa pensando no diabo, mas rezei pelos meus inúmeros pecados antes de adormecer. E quando a freira irmã diretora nos disse que éramos os diabos pelo conteúdo de nossos desenhos profanos. Não rezei mais. Me disseram que os sonhos falavam do inconsciente e descobri que também contam umas histórias que se significam, que independem do meu estado pregresso, bem pregresso. E continuei sonhando até afundar na areia de uma ilha no norte do país com sapatos de saltos pretos segurando malas: uma coisa Tieta apareceu, será por pregresso televisivo? E me disseram que era para ser honesta quando uma televisãozinha de plástico apareceu na gaveta da estante do quarto de visitas. Me disseram com tanto amor que morri de vergonha de ser desavergonhada. Me disseram para não mentir, mas eu - às vezes - omito. Me contaram a história do encontro dos meus amigos e até hoje a história recebe mais um detalhe durante conversas em quatro ou cinco ou seis ou mais, dependendo dos convidados. Me disseram para não contar tantas coisas de dizer por aí, mas eu conto, por que não?!   

domingo, 5 de dezembro de 2010

observações (in) úteis. Para alguém?

Das vidas escritas em linhas tortas, sabemos. Já foram e continuam sendo escritas. Das vidas marcadas por linhas retas, também sabemos, também continuam sendo escritas. Sobre que vidas podemos saber o que não nos foi dito por um  tipo de história, antropologia, sociologia, psicologia, filosofia, física, geografia, química, matemática? Um esforço enorme para falarmos de tantas vidas quantas percebemos possíveis e das que por muito tempo permaneceram impossíveis. Minerais, vegetais, animais, sobrenaturais: vidas e mais vidas, para todos os interesses, curiosidades, imaginações, para todas as ciências e religiões. Também há muito se faz composição de vidas e é disso que se fala hoje em dia com tanto entusiasmo nas ciências humanas e nas físicas, coisa que se falava e se fala por outros antes-ainda exêntricos índios, mas essas histórias requerem um cuidado maior, um detalhamento para que não caiam num exercício comparativo totalizador. Voltemos, então, às composições e a ideia de que todas as vidas executam perspectivas, todas pensam em perspectiva. Antes de imaginarmos distantes movimentos rituais de incorporação do outro-coisa, nos imaginemos às voltas com nossos instrumentos mecânicos, elétricos, digitais, nossos outros instrumentos corporais nos repetitivos rituais diários. "O meio é a mensagem"? Como nos indicou McLuhan. "As técnicas corporais" como representativas de "fatos sociais totais"? Como nos ensina Marcel Mauss. Corpo são, mente sã? Tal qual verbalizavam os gregos. Como se faz um corpo são, por extensão, nessa lógica, uma mente sã? Quais são os instrumentos disponíveis, indispensáveis atualmente - desde dos alimentares, das academias, suplementos vitamínicos, fármacos e tudo o que se possa imaginar para um corpo de hoje, que é demandado por quem? Não consigo responder essas questões. Inclusive porque são muitos os agentes que se comunicam com o corpo, mesmo que a mente não os reconheça como vida. Não estou introduzindo ligações cósmicas ou religiosas ou transcedentais. Falo aqui das coisas nossas de cada dia. Desde a pasta de dentes até o cachorrinho que se leva para passear nas calçadas da cidade. Como todas essas coisas fazem o corpo contemporâneo, fazem lógicas de ação, reflexão, estranhamento? Como fazem saúde e doença? Como falam todas essas coisas? Elas dizem alguma coisa ou isso é delírio pós-moderno? Não sou pós-moderna, se isso interessa. E não passo o tempo escrevendo, a escrita passa para aliviar o pensamento, a escrita como outra vida. Tudo bem, a pasta de dentes não fala, eu sei, mas os dentes falam? Ou dentes podres não dizem nada? Latour diz que a modernidade deu espaço para os híbridos porque se esforçou para localizar coisas semelhantes em grupos de similaridades. Descobrir esses nossos hibridos de pensamento, também é descobrir um pouco dessas coisas tão banais, porque cotidianas, que nos acompanham como objetos necessários. Tirar a necessidade das coisas, isso também tem me importado ultimamente.