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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Tempos de deserto

Se há tempos de deserto, isso descubro no aperto da mente. Desertos não são apenas paisagens amplas, com horizontes sem obstáculos, lugares onde o obstáculo é a solidão. Desertos são espaços de muita gente e de pensamento inquieto. Quando se quer coisas, mas não se tem a segurança para realizá-las. Se faz cada dia para desviar do fazer. E quando se faz, o feito não agrada. Uma sensação de incompetência, fora da autocomiseração porque crítica em referência ao que se lê, se ouve, se vê. Descobrir que a vontade não basta para estar dentro da vontade. Há alguma coisa da ação que implica a vontade para além da ideia. E o trabalho que isso exige produz uma angústia de fabricar além do banal. E se o banal apavora, como ele é? Ele pode estar no dizer o que é evidente, repetir sem estilo ou sensação uma teoria já dita, analisada, repetida sem entonação. Banal também pode ser um realizar por obrigação. Mesmo que a expectativa seja uma produção de um pensamento que some não que iguale o dito. Banal pode ser estar dentro sem ver um fora e enlouquecer procurando por uma saída que não se faz encontro. E se busca um entendimento “outro” que está igual do princípio ao fim. Dói querer expressar o que não se tem. Para expressar é preciso vida e ideia.  Se a vida se faz de visões de pensamentos mais inspiradores. Se a ideia não ultrapassa essa inspiração dos livros, das pessoas, da mundo é porque se está ou cego ou surdo ou? Será possível que a potência se transforme em incapacidade de pensamento? Uma paralização. Mas não inerte porque espetada pela angústia de produzir. E os acontecimentos que não se fazem contentamentos exigem a pergunta sobre o caminho que se escolheu. Será que seria mais satisfeito fazendo outra coisa? A resposta é que a satisfação faz parte dessa luta de pensar algo que avance na própria potência de pensar. Desorganização suficiente já experimento nesse deserto de ordem. E vontade de deixar a mente livre é uma desafio para o trabalho de pensamento normatizado pela dinâmica da referência. Porque ser livre no mundo do conhecimento é possível num diário ou no trabalho árduo de organização de todas essas falas publicadas e conferenciadas. E quando escrever se torna uma situação de pressão pela escrita que fale, o que era um prazer com pequenas ambições de externalidade, de aceitação, se comunica como um desafio de persistência. Começar é sempre o verbo das dificuldades. Às vezes, das mentiras. Começar exige que já tenhamos começado. E no tempo de deserto é preciso anotar as coordenadas, traçar riscos, curvas, tentar caminhar fora do mesmo. Deixar o pensamento acontecer sem preocupação de coerência para que ele encontre sua forma, seu como relacionar. Sufocar com a biblioteca mundial não é privilégio de poucos. Essa grande produção de entendimentos sempre exige que entendamos antes todos os outros, todos os mesmos, diferenciando-os, classificando-os, fazendo-os claros. E mesmo lendo e lendo, ouvindo e ouvindo, vendo e vendo, tocando e tocando, aspirando e aspirando, não lembro de todos e fabrico mil fantasmas e me cobro mil lugares de fala. Tudo isso é uma fuga da incompetência? Porque se alguém foi capaz de virar um pedaço de picanha é porque isso pode ser feito. Mas virar uma picanha é virar uma picanha. E dizer coisas é mais do que ser capaz de articular sons. E por se ter tido a ambição de poder dizer além dos sons, agora se sofre por dizer tudo que já foi dito. E estar tão nublado que até mesmo o não dito se faz sinistro. Desejante de um pensamento que não seja esse que me atola em todos os momentos do dia. Desejante de me liberar dessas pressões tais oásis imaginários incrustados em campos de areia.Querer beber muita água e ficar descansando dentro da sombra de uma árvore.

1 comentários:

Lívio Oliveira disse...
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