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terça-feira, 5 de junho de 2012

Frios

Alguns frios são de velhice. Porque o corpo congela com maior insistência e reclama dança para fazer o sangue esquentar e gastar o tapete da sala, para gastar calçada. Os frios de velhice são aqueles que não suportam mais banho sem aquecedor. Naquele momento que se pára para pensar como foi possível passar tantos invernos tirando a roupa unicamente sob a bruma de um chuveirinho elétrico de ferragem da esquina. O frio da velhice reclama chá, chimarrão, reclama muita água. Frio da velhice relembra uma série de frios da juventude. Lembra até da neve de 199... talvez 2. Frio da velhice não lembra com precisão porque memória vai além de precisão, vai pela vontade... aquela neve e um blusão amarelo que ia até o joelho numa foto com irmã, naquele contraste de verde com branco com cores de criança e cinza do muro onde empoleiradas fazíamos pose. Que vontade! Da neve, dos dedos congelados porque se brincava sem luvas. O frio da velhice é dedos congelados mesmo de tanto trabalhar com o teclado do computador. O frio da velhice precisa de luvas e de meias de lã também. O frio da velhice não vem na velhice somente, ele vem porque vem, sem mais nem menos. Fogão a lenha, casa aquecida embaixo da mesa. Voltar no frio da infância. Que frio interessante. Frio despreocupado. Divertido. Frio da velhice também, porque pode com vinho, queijos, pães e comidas quentes, naquele paladar que frio da infância despreza. Frio da velhice deixa passar devaneio e frio da infância deixa passar fantasia. Vice e versa. Frios fazem formigas, baratas, moscas, mosquitos irem para não sei qual outro universo. Será que todos morrem? Pensamento cruel, porque fiquei na torcida com uma carinha de: "imagina se fosse verdade!". Pelo menos no inverno esses animais nos deixam em casa sem grandes surpresas num frio de velhice quieto. Não sei por que, mas alguns frios são redondinhos, redondinhos.

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