Pages

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Método para economias de um homem chamado x

Um homem chamado x perdeu o chapéu. Um chapéu Panamá que comprara com um sorriso largo e economias de dois meses que fez deixando o ônibus e andando com os dois pés até o trabalho. Aquele seu trabalho de ler e escrever e de escutar, às vezes, vozes de pessoas em carne e osso. Essa vontade de chapéu o fez redescobrir algumas memórias. Na primeira manhã, não sabia muito bem quanto tempo levaria para chegar ao trabalho caminhando. Saiu uma hora antes para não se atrasar de maneira nenhuma, não suportava dar explicações e sempre dava explicações quando o olhavam com reprovação ou simplesmente o olhavam. Cronometrou. Contou sinaleiras. Observou o mapa de possibilidades para realizar o trajeto. E foi invadido por uma certeza de desconhecimento, afinal que região era aquela que supunha sua? Nunca vira aquela árvore entre uma casa e um edifício de oito andares; nunca aquele café de decoração bricolage; nunca o mercadinho com o colorido das frutas esperando dentadas; sem saber que haviam destruído o casarão antigo que ficava na esquina onde brincava quando criança; e aquela pastelaria ali? ele adorava pastéis; nunca vira o estacionamento no lugar do antigo cinema de filmes alternativos, rodados em madrugadas alternativas (lembrou-se de gostar de filmes alternativos); nunca imaginara o vazio da casa onde antes existira uma alfaiataria (andava para pegar os ternos do pai, pois sempre gavanha alguns trocados na volta); nunca vira um restaurante temático (ele que sempre pagava taxi para ir a um restaurante temático do outro lado da cidade uma vez por ano só, porque com o taxi ficava tudo muito caro); nunca ficou tão perdido na sua casa durante uma caminhada. Sem falar no adensamento humano que o atravessava conforme suas pernas o deixavam mais próximo do centro, onde estava o escritório. Sentiu cheiro de tinta, estavam pintando o viaduto pelo qual nunca mais passara. Sentiu cheiro de urina, isso não era novidade! E indignou-se por não haver banheiros públicos. Tinha sede, mas aguentaria porque se comprasse água na estrada, estaria subvertendo a ideia de economia para ter o chapéu. Era longe o trabalho, meia hora de caminhada e estava a cinco quadras e duas ladeiras do destino. Aquele aperto, e a raiva voltou: por que não faziam banheiros? Apressou o passo. A vontade aumentava na medida que pensava que não havia banheiros por perto. Nenhum bar nessa merda! Nenhum. Bannheiro, banheiro, vontade, passos, trabalho, prédios, carros, semáforos, pessoas, lojas, bancas de revista: um bar, pelo amor de deus! Apressou tudo que pôde. Não tinha mais o que apressar. Parou e mijou ali mesmo, de costas para a avenida e não pensou em nada, não olhou para lugar nenhum, deixou-se. Pego pelo braço. Policial o autua por desrespeito à moral e aos bons costumes. Ouve silencioso e o vermelho pintando sua face: sempre tão correto; nunca atrasado; economico; sedento; prédios; carros; sinaleiras; pessoas, velhinhas com cara de nojo; não-pode-ser; rizinhos; vendedores no limiar das lojas; que-cena-humilhante; que hipocrisia! Senhor, querias que eu urinasse nas calças? Não há banheiros por aqui! Isso não é problema meu, respondeu o policial sem tirar os óculos escuros. Mas como pode ser isso! Não defendo que fiquemos tirando os paus e mijando por aí, mas, convenhamos, mijar aonde se não existem banheiros públicos! continuou x.  Por um acaso o senhor está vendo outras pessoas mijando por aí? Está? Responda seu idiota! Um homem chamado x desenha um tapa na cara do polícia e corre. Corre. Corre. Corre e a multidão atrás, atrás do criminoso. Entra na prefeitura, penetra no elevador, gabinete do prefeito, não se deixa apresentar,  sem tempo para isso, a multidão gritando lá embaixo... Seu-prefeito-filho-da-puta: tá vendo essa gente? Pois fique sabendo que estão atrás de mim porque bati num policial que me autuou por estar mijando na rua. Você deve estar pensando: o policial está certo, cumpriu com seu dever. Estaria se houvessem banheiros públicos! Segurando o braço do prefeito com força:  agora, o senhor  irá até a janela e gritará em alto e bom tom que o senhor deveria estar sendo perseguido uma vez que não cumpre suas obrigações de administrador público, o que faz as pessoas chegarem ao extremo: a violência por causa de uma simples vontade de mijar! E não pense em não fazer isso, senhor prefeito, porque estou com uma vontade de mijar na sua cara! O prefeito falou à multidão que não entendeu nada e continuou querendo sangue. Um homem chamado x foi levado à delegacia, fichado, encarcerado por alguns dias e enfrenta dois processos.  Não desistiu do chapéu Panamá e andou a pé até comprá-lo, depois... até perdê-lo. 

0 comentários:

Postar um comentário