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domingo, 17 de julho de 2011

Ver mais ou menos

Talvez seja uma função do tempo, talvez passamos no tempo, talvez simplesmente não acreditamos mais, talvez estejamos enganados. Do que se trata, talvez: saber se somente duvidamos ou se sabemos mais sobre a maquinaria dos saberes. Se fossemos cegos por muito tempo e se pudéssemos num passe de mágica deixarmos a miopia, deixarmos de estar em astigmatismo, deixarmos de não poder ver sem utencílios clássicos: tudo isso se fossemos ao cirurgião e por sete mil e poucos reais passássemos a acordar vendo. Poderíamos ficar bêbados, poderíamos perder os óculos, poderíamos entortá-los; deixar secar as lentes, rasgá-las, perdê-las; poderíamos ser como todos os que vêem. Poderíamos deixar de ser míopes, mais ainda, deixaríamos de ser cegos de ocasião e não teríamos mais como deixar de ver por opção, aliás, o que não seria problema, pois quase nenhum  míope deixa de ver por opção: mesmo quando as circunstâncias pressionam e não vale a pena estar em campo de pessoas que vêem. Poder ver como. Mais uma vez a maravilha de poder acordar vendo! Poder esquecer o lugar dos óculos. Tudo isso vale a tentativa? Vale a promessa dos oftalmologistas que há tão pouco realizam intervenções na córnea via lazer? Vale o não tempo do acompanhamento de pesquisa? Vale? Para quem quer ver melhor, tudo vale. Mas eu também quero ver melhor e não tenho tanta certeza se quero raios em meus olhos. Um tanto conservadora pela lembrança de um antigo amigo aftalmo para quem as cirurgias eram momentos de moda e ele está morto e as cirurgias fazem todas as cabeças. Será que estou completamente reacionária? Fato é que nunca gostei de intervenções corporais externas através de máquinas não pensantes. Os que acreditam em médicos e tecnologias, devem acreditar também que nada que pense sobre a dúvida vale a pena ser levado à reflexão. Isso só me importa quando os envolvidos estão afetivamente envolvidos comigo.
Não faz muito eu experimentava uma tranquilidade de quem entendia e era entendido pelos próximos. Agora, tudo mudou, estou muito longe ou cada vez mais longe dos próximos e por um entendimento não deles, mas das coisas que eles acreditam como certeza, nem digo como verdade. Esse momento não tem me feito feliz, ao contrário, tem me feito entender algumas biografias que antes me pareciam exageros para fazer de homens, ídolos. E agora: não são ídolos são pessoas. Pessoas que não puderam desligar seus pensamentos.
Pensar é estar mais e mais só, mais e mais ridículo perante o mundo, mais e mais inconveniênte. Pensar é aprender a escrever mais e falar menos. Pensar, para os que bebem, é beber mais e sofrer mais.
Com as palavras para poder conversar, para tentar não estar completamente equivocado.
O tempo nos deixa vulneráveis frente às certezas dos outros porque somos por elas atingidos, não porque elas nos provocam exclusivamente dúvidas, mas porque nos provocam solidão.
Eu não sei quanto realmente vale deixar de ser míope. Consigo imaginar, ao acordar, que vale muito para mim.

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